sábado, 7 de novembro de 2009

fazer parte

uma nota no vazio
a cadeira suspensa no silêncio
o abraço sentido persiste
o calor que tocou insiste.
a perda que não foi
vagueia em tom de ameaça
num desafio permanente
ao adquirido.
uma mão estendida desfaz
aquilo que o olhar tentou agarrar
o peito não chora a derrota
sofre obrigado ao aceitar
o que já estava ou estará,
independentemente
da coragem ou da vontade.
é preciso fazer parte
com alma inteira ou partida.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Por este rio Douro acima

Por este rio Douro acima,
começamos na Ribeira
massa de casario, torres, pontes
e cores.
As vozes de milhares ao longe,
risos e choros todos os dias,
movimento que se adivinha
uma cidade em rodopio...
vive.
De onde vieram?
Para onde vão?
Muitos pelo rio...













Na manhã em que partimos,
reinava a névoa
e o frio...
Uma, duas, três, perdi a conta às pontes.
Momentos depois,
já estavamos quentes. Pelo sol e pelo vinho.
As casas, mais pontes e barragens,
gentes e montes.
Desde cedo este rio mostra-se:
o rio dos Homens!



















Quantos navegaram neste rio estrada,
descobrindo ou perdendo...
por vezes um banho na água,
muitas vezes um banho de suor.
Tanto trouxeram e tanto levaram
tanto criado, tanto esforçado...
Eis o rio dos Homens!
Moldado, atravessado, usado e abusado:
parece que foi criado, desde sempre, para nós.






Este rio faz chorar.
Este rio faz sonhar.


segunda-feira, 1 de junho de 2009

que feliz sou.

quanto mais quero mais me afasto
o medo do compromisso
não querer o confronto.
e o tempo foge entre os dedos
deixando uma leve impressão no peito
ansiedade própria de quem não controla.
como gostava de controlar...
mas quase sempre somos outro
e o outro é que manda.
se fosse eu, seria diferente!
seria diferente para pior
anti-social. indigente. odioso. revoltado.
e que mais seria?
que felicidade teria?

domesticado, com comida no bucho,
dinheiro no bolso
que feliz sou!
tristemente...

domingo, 5 de abril de 2009

o corpo e a consciência

Imagina o meu corpo nu
sim! o meu corpo!
podes imagina-lo na perfeição
e dizer: que belos peitorais, que lindas coxas!
ou podes vê-lo real e dizer:
tens de fazer abdominais, que peles murchas!
tanto faz, mas imagina.
é uma estrutura simétrica, cabeça, tronco e membros.
dos pés saem raízes que penetram pela terra,
as pernas são dois cepos,
o tronco pode ser um sobreiro
de onde saem dois braços
com mãos que tacteiam o ar,
tentando tocar ou mesmo agarrar...
tudo ou nada.
o sexo não interessa! não vou descrevê-lo!
no cimo uma cabeça redonda,
dois olhos com visão de curto alcance
uma boca faminta, aberta, à espreita,
um nariz acomodado, passivo e ranhoso,
e duas orelhas a mais, já com pêlos.
este corpo é uma carapaça, escravo da gravidade.
é uma massa de órgãos e fluidos,
exposto às intempéries, brinquedo do tempo.
à sua volta o ar abafa, por baixo a terra suga.
por cima todo o peso do (seu) mundo.
como pode voar? como pode ser livre?

como pode voar, como pode ser livre,
este corpo que vive por acaso?

a maior das ironias é a consciência. a nossa consciência.
resulta do acaso do corpo estar vivo e bem estruturado.
o corpo e a consciência são um.
gera a insatisfação natural e compreensível,
resultante da aberração que é o próprio corpo,
limitado, obtuso, sem asas...
permite a dúvida, a interrogação, a resposta e a certeza.
permite seguir a tua silhueta, o teu exemplo.
os órgãos, por vezes, transformam-se em emoções.
e não estou só. permite apreender.
na cabeça os olhos alcançam o infinito,
pelo nariz entra o teu doce perfume,
a boca entre-aberta beija com paixão
e ouço murmúrios, desejos e ordens.
os braços afagam, abraçam e empurram
e as mãos tocam o concreto e o definido.
tudo tem sentido e o sexo... já importa!
as pernas e os pés levitam, numa leveza apreciada.
podemos voar, podemos ser livres!

é o sonho, é a realidade. o corpo e a consciência.

terça-feira, 31 de março de 2009

perguntas e respostas

Num passado recente
todas as perguntas,
aquelas possíveis,
tinham resposta.
Ou pelo menos haveria alguém
que, de certeza,
tinha a resposta.
A resposta certa
ou a que gostava de ouvir.

Com o passar do tempo,
as perguntas continuam...
as possíveis.
Não há perguntas impossíveis,
talvez impróprias.
As respostas nem sempre convecem
e a certeza é a de haver
perguntas sem resposta.
Aliás há perguntas que
jamais terão resposta,
pelo menos no meu futuro.

Cada vez pergunto menos.
E convencido,
às perguntas,
tento dar respostas.
Quando crescer,
espero compreender
que mesmo perguntas sem resposta
podem ter mais valor que respostas
pretensiosas.
Continuarei a fazer perguntas?
Saberei ouvir as respostas?
Farei novas perguntas?

sábado, 21 de março de 2009

o que tenho


esta tarde esperei por ti
desesperei...
sabes como é?

aquela sensação de ansiedade,
aquele nervoso miudinho -
desconforto -
uma sensação de impotência.
E sabes o melhor?

eu sabia que não vinhas,
só tentava evitar o vazio.

Certo dia, por muitos dias,
foste-me apresentada,
de forma natural, contínua...
sem eu nunca ter entendido,
nem dado por nada
uma virtual realidade foi crescendo,
criada e tomada na minha cabeça.

embora sabendo que és minha,
sei que nunca o serás,
a não ser dar-se o caso...
a verdade é que
(até este preciso momento)
nunca te encontrei.
se passaste por mim
não te reconheci.
se me beijaste não o senti.
uma oportunidade perdida,
por acaso...

ingenuidade sem culpa
ou culpa de desinformação,
a nossa imperfeição. A ignorância.
sabes que mais?

passarei esta imperfeição
aos meus filhos
consciente e inconscientemente,
ao acaso...

uma vida deve ser feita de esperança
não de sofrimento.
de alegria, não tristeza.
de busca
ao que temos direito
ou pensamos ter.

a vida deve ser feita de luta,
de luta pelo sonho:
o sonho de te ter.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

apeteceu-me duvidar

Hoje apeteceu-me duvidar
e, para variar,
ficar do outro lado -
verdadeiro "espírito-contra".
Parece uma forma de afirmação,
alguns dirão infantilidade,
é esta a minha natureza.

Durante milhares de anos
fui moldado por martelos
batendo no ferro, fazendo mossa.
São tudo obrigações e deveres
e este mastodonte é tão pesado
que nem se move.
Um peso com milhares de anos.

Hoje apeteceu-me duvidar,
estar do lado errado,
desrespeitar e provocar.
Ficar exposto às pedras, sem medo.
Afinal ir contra a minha natureza
e sentir leveza. Uma leveza de segundos.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

coragem para viver


coragem para viver

dois caminhamos na alameda de mãos dadas
passando calor, intimidade, confidências.
juntos por aí, à deriva que nos foi programada.
e a coragem de viver? de sobreviver ao tempo?
chama inata coisa física, alma,
numa respiração cadenciada no tempo
apreender o bem estar e o sofrimento.

ultrapassar o trauma da perda
daquele carinho, o sorriso
que a mim dirigias.
olhar para o espaço que era o teu
que imponhas porque existias
e vejo-te a estender a mão
num apoio que sem ele eu não seria.
foste tu que também me fizeste
tu és parte de mim e eu a minha imagem.

fizeste-me sentir o calor humano,
encontrar uma terra para assentar e semear,
foi a felicidade de sentir o teu amor
que me construiu e permitiu que fosse.
na proximidade para ser mais fácil
ter que suportar a viagem.
nós dois suportamos melhor!
por vezes caminho ao encontro do ponto sem luz
num túnel branco e muito polido
por vezes num campo florido sem fim
afinal que sou eu, sem ti?

onde vou buscar a coragem
que afinal é cobarde porque não estás?
está lá onde estiveste
a coragem és tu, o cobarde sou eu.
é tão bom quando estás.

teu mundo


que tamanho a tua coragem

de peito aberto contra a vida

tão minúsculo sem medo

passos pequenos num meio grande

de um mundo tão pequeno.

tão minúsculo apesar de crescer

perdido num meio cada vez mais pequeno

num mundo cada vez maior.

e o mundo torna-se infinito ou pelo menos maior

e o medo torna-se razão

a coragem já só serve um propósito

e estás grande num meio ainda mais pequeno

tão pequeno e praticamente só teu.

e és o meio e és o mundo. És dele.



A minha foto
Porto e Ponta Delgada, Douro - o Mar - Açores, Portugal
por cá ando... resultado da junção ocasional entre um espermatozoíde e um óvulo, nos finais de 1969, início de 1970, que deu fruto e cresceu (de forma bastante substancial) e que tem como objectivo maior: (pro)criar... ou pelo menos tentar.